No musical A Noviça Rebelde (título infeliz para o filme The Sound Of Music, 1965), de Robert Wise, as músicas que mais se destacam são a canção título, "The Sound Of Music", e "My Favorite Things". A prova disso está no próprio filme, pois são as frases melódicas dessas canções as que mais se repetem em toda a obra, arrisco dizer, principalmente as de "My Favorite Things", que, de vez em quando, aparecem por trás das cenas não cantadas. Não preciso dizer que "My Favorite Things" é a minha preferida do filme. A melodia é extremamente bela, a letra é interessante, e o arranjo é muito bem feito, perfeitamente encaixado nas cenas em que aparece.
MY FAVORITE THINGS
Raindrops on roses and whiskers on kittens
Bright copper kettles and warm woolen mittens
Brown paper packages tied up with strings
These are a few of my favorite things
Cream colored ponies and crisp apple streudels
Doorbells and sleigh bells and schnitzel with noodles
Wild geese that fly with the moon on their wings
These are a few of my favorite things
Girls in white dresses with blue satin sashes
Snowflakes that stay on my nose and eyelashes
Silver white winters that melt into springs
These are a few of my favorite things
When the dog bites
When the bee stings
When I'm feeling sad
I simply remember my favorite things
And then I don't feel so bad
Essa música é retomada de forma um tanto diferente em outro musical: Dançando no Escuro (Dancer in The Dark, 2000), de Lars von Trier.
Dançando No Escuro é um musical tão triste que rivaliza - e às vezes ganha - com os mais tristes: Jesus Cristo Superstar; West Side Story, The Fiddler On The Roof; O Fantasma da Ópera (cito esses agora de memória).
A canção de The Sound Of Music aparece aqui através de um dos aspectos da trama: a personagem principal (interpretada por Björk) está participando de uma montagem teatral de The Sound Of Music.
A mesma música é usada em contextos completamente diferentes nos dois filmes. No primeiro deles, The Sound of Music (um filme extremamente feliz, embora conte uma história - real - que não deveria ser tão feliz assim), a cena em que aparece é divertida, animadora, alegre de se dar pulos em cima da cama.
No segundo, Dançando no Escuro, a cena é triste, trágica, e com uma falsa alegria. A personagem está presa, prestes a ser enforcada, mas espera um telefonema a respeito de um possível novo julgamento. A alegria do final da cena aumenta a tristeza da cena, pois é uma falsa alegria, um momento em que a esperança aparece simplesmente para trazer algo pior logo em seguida. O que me interessa mais de perto, no entanto, é o arranjo, e a forma como a música é realizada na cena.
Em The Sound Of Music, a música tem um arranjo leve e rápido, a cena se dá com crianças pulando numa cama, dançando, sorrindo, pensando em coisas boas. Em Dançando no Escuro, Selma (a personagem de Björk), está sozinha, numa prisão estéril, cantando à capela, de forma lenta e pesada. Tudo muda: o que era felicidade se transforma em tristeza com a maior facilidade, e é isso que o filme vem mostrar logo a seguir. Da mesma forma que a alegria de "My Favorite Things" se transforma em tristeza no arranjo da cena em Dançando no Escuro, a alegria do final da cena se transforma em tristeza maior ainda, sob a ameaça de Selma perder aquilo pelo qual tinha lutado.
A letra é a mesma, mas o arranjo, os sons, a interpretação, tudo em Dançando no Escuro transforma o otimismo de "My Favorite Things" em uma tentativa vã de se alegrar.
Um detalhe merece atenção: em The Sound Of Music, a janela bate com a tempestade fazendo um barulho alto e abafado. Maria (a personagem principal, interpretada por Julie Andrews), fecha a janela, deixando a tempestade isolada do lado de fora. Em Dançando no Escuro, Selma pula de cima da cama para o chão (só o fato de ela estar em cima da cama como Maria já corrobora o que vou dizer), fazendo um barulho análogo ao da janela.
As cenas se mostram tão parecidas que só se pode entender uma coisa da cena de Dançando no Escuro: tristeza e alegria são (usando um lugar-comum, e simplificando o significado) duas faces da mesma moeda.
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Filmes:
A Noviça Rebelde (Robert Wise, 1965)
Dançando no Escuro (Lars von Trier, 2000)