Nesse quadro, "O jockey perdido", de René Magritte, o jockey parece estar perdido por não estar no páreo, por não pertencer a esse ambiente de bosque aberto e claro. Mas ele está em posição de corrida, como se estivesse no páreo, talvez para poder ser reconhecido como jockey, mesmo fora da pista. Se fosse um cavaleiro qualquer, talvez não fosse possível reconhecer que ele está perdido. Imagino se não existisse título e o jockey não estivesse nessa posição, mas sentado no cavalo, e o cavalo estivesse andando, não correndo. Seria possível reconhecer o cavaleiro perdido? Creio que não. O título surge aqui apenas para complementar a figura, que já mostra um jockey fora do seu ambiente, um jockey perdido.
Além disso, é notável como as árvores são semelhantes a folhas. Cada árvore é uma única folha, e não há folhas propriamente ditas em árvore alguma. Qual é a relação entre o ambiente surreal de árvores-folhas e o jockey? Não sei. Mas lembro da estrofe final do poema "Stopping by Woods on a Snowy Evening", de Robert Frost.
"The woods are lovely, dark and deep,
But I have promises to keep,
And miles to go before I sleep,
And miles to go before I sleep."
algo como:
"Os bosques são adoráveis, escuros e profundos,
Mas eu tenho promessas a cumprir,
E milhas a trilhar antes de dormir,
E milhas a trilhar antes de dormir."
Lembro dessa estrofe primeiro por antítese. Me parece que é exatamente o oposto do quadro de Magritte: enquanto no quadro o bosque é espaçoso e claro, no poema ele é denso e escuro. Mas me parece também que em ambos o sujeito (o jockey no quadro, e o eu-lírico no poema) está deixando o bosque para cumprir algo que já vinha determinado, algo que já estava em seus planos, e que não será adiado pelo bosque, mesmo que seja o mais belo bosque.
Vale ressaltar aqui o que Borges disse sobre essa estrofe:
"... Frost tentou aqui algo bastante ousado. Temos o mesmo verso repetido palavra por palavra, duas vezes, porém o sentido é diverso. 'E milhas a trilhar antes de dormir': isto é meramente físico - as milhas são milhas no espaço, na Nova Inglaterra, e 'dormir' significa 'ir dormir'. A segunda vez - 'E milhas a trilhar antes de dormir' - nos faz sentir que as milhas não estão somente no espaço, mas no tempo, e que 'dormir' significa 'morrer' ou 'descansar'. Tivesse o poeta dito isso literalmente, teria sido bem menos eficaz. Porque, no meu entender, qualquer coisa sugerida é bem mais eficaz do que qualquer coisa apregoada."
O que Magritte sugere, então, com a metonímia folha-árvore?
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referências:
BORGES, Jorge Luís. Esse ofício do verso.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
imagens:
Le jockey perdu, 1948. (Magritte)
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Magritte na wikipedia: em inglês; em português.
Robert Frost na wikipedia: em inglês; em português.
Borges na wikipedia: em inglês; em português.
Compre o livro "Esse ofício do verso": na Livraria Cultura.
Leia o poema completo: Stopping by Woods on a Snowy Evening.
3 comentários:
uau...
=]
adorei!
Muito intrigante mesmo! Será que não poderia mesmo ter sido inspirado nessa antítese? Você fez uma ótima conexão.
Robert Frost tinha o dom de resumir assuntos complexos em poucas palavras, porém densas.
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