"A Noite Americana" + "Perdas e Danos"





Em 1973, foi lançado A Noite Americana, filme de François Truffaut. Escrito (junto a Jean-Louis Richard e Suzanne Schiffman) e dirigido por ele, o filme recria uma filmagem. Parece um filme puramente descritivo, como se fosse um making-off.
Na verdade, é uma bela homenagem ao cinema, feita através de várias histórias que se desenvolvem junto às gravações de um filme ficcional (um filme que não existe, não um filme de ficção). Vou parar por aqui com A Noite Americana, embora minha vontade seja continuar falando sobre ele pelo menos até o fim do ano.
O que interessa para esse texto é o filme dentro do filme, no caso: "Je vous présente Pamela". Apelidado durante as filmagens de "Pamela", o filme narra a história de um jovem que se casa e meses depois apresenta a filha aos pais. O pai se apaixona pela esposa do filho, e ela por ele (pelo pai).
No vídeo abaixo os próprios atores de "Pamela" resumem a história do filme.



Anos depois de ter visto A Noite Americana, assisti a Perdas e Danos, de Louis Malle. Não liguei uma coisa à outra. Anos depois, assisti a A Noite Americana de novo, e de novo, e de novo, umas quatro ou cinco vezes.
Até que reassisti Perdas e Danos, e só então percebi algo que me pareceu muito óbvio: a história de Perdas e Danos é a mesma de "Je vous présente Pamela", o filme dentro de A Noite Americana.
Fiz uma montagem com os trechos de "Pamela" em A Noite Americana, que termina funcionando como um curta (acho que só não dá para entender quem se acidenta: é Pamela, a esposa do filho; e talvez o homem que leva o tiro no final: é o pai.)



Perdas e Danos é de 1992, mas é baseado num romance, de Josephine Hart, publicado em 1990. O roteiro é da própria escritora, junto a David Hare. Josephine Hart é irlandesa, David Hare é inglês, mas Louis Malle é francês, e eu acho difícil um diretor francês não conhecer a obra de Truffaut (também francês). Não é uma questão de plágio, no entanto.
A questão, mais uma vez, é de "trama" e "fábula". A "fábula" dos dois filmes ("Je vous présente Pamela" e Perdas e Danos) é a mesma, mas a trama é diferente. Não vou entrar em questões mais complexas, como o fato de "Pamela" ser um filme ficcional dentro de outro filme, e como isso complica a questão da "trama" e da "fábula". Uma questão fica: será que Josephine Hart sabia da apropriação que fazia da história dentro do filme de Truffaut? Eu não sei a resposta. Mas outra questão é mais importante: por que a diferença mais visível de trama em relação à fábula é sempre o final?
Podemos imaginar algumas razões. Talvez a insatisfação com uma obra seja a forma como os fatos se resolvem. Quando alguém vai refilmar um clássico, ou fazer uma adaptação livre de uma obra literária, ou de uma peça, há sempre a vontade de resolver as coisas do seu jeito.
Por isso existem tantas versões de obras clássicas com finais diferentes, como, por exemplo, de Romeu e Julieta (Tromeo and Juliet é o que me vem à cabeça agora).
Parece que a idéia por trás da obra satisfaz, mas não o final. Acredito que as pessoas se sentem livres para mudar o final por ele não fazer parte da "fábula". A fábula é uma idéia, uma história básica, que não se resolve nela mesma.
Nas entrevistas acima, o que nós vemos é a fábula, não a trama. A descrição que os atores fazem da história do filme é a fábula, e somente ela. É sintomático que eles não tratam do final da obra.
São justamente os finais de "Pamela" e Perdas e Danos que mais se diferenciam, embora ambos terminem em tragédia, e em acidentes.

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filmes (com links no imdb):
A Noite Americana. (dir: François Truffaut)
Perdas e danos. (dir: Louis Malle)
(vídeos hospedados no youtube)

Um comentário:

alana disse...

Oi, Anakan! Encontrei teu blog através do de Astier, há apenas 1 hora, mais ou menos, mas estou impressionada - com a qualidade dos textos e com algumas descobertas - da relação entre "She's Leaving Home " e Radiohead ao filme-de-Ferrand/Truffaut-realizado-por-Malle! Ótimo!