Conheci Raoul Ruiz primeiro através de sua teoria cinematográfica, principalmente através do livro Poetics of Cinema (que ele assina como Raúl Ruiz, nome que utiliza em vários filmes também). Sua teoria demonstra um entendimento tão forte a respeito de o que é arte, que sempre tive curiosidade de assistir a um filme dele. Embora ele tenha muitos, eles são extremamente raros.
Meu interesse pela pintura vem de quase tão cedo quanto o interesse pelo cinema, e sempre gostei de Gustav Klimt, pintor austríaco que, em uma época de esplendor e decadência em Viena, fez uma arte que rompia com a academia, mas que seguia tanto o esplendor quanto a decadência, principalmente através de suas alegorias, de sua pintura simbolista.
Dois interesses raramente se unem tão bem em uma obra só quanto no filme Klimt, de Ruiz. Interpretado por John Malkovich, Klimt parece real na tela, mas, ao mesmo tempo, pela ilusão decorativista que Ruiz pinta no filme, o artista parece também uma personagem inexistente, uma figura não-real, tão sonhada quanto as personagens de seus quadros. A vida de Klimt é cheia de lacunas, e o filme parece seguir esse “defeito” histórico, relatando de forma um tanto fragmentada a vida do pintor. Seus casos com suas modelos, os filhos que ele não chegou a conhecer, o amor estranho por Emilie Flöge, tudo aparece no filme, mas tudo isso importa menos do que a arte.
A pintura é o foco do filme, que, através da vida do artista, se revela aos poucos. Mudando de estilo tanto quanto Klimt mudou, o filme parece seguir o conceito do artista, em certos momentos se mostrando realista, em outros alterando as figuras humanas com ângulos não-convencionais e deformações da imagem, e ainda colorindo o cenário da forma decorativa comum às pinturas de Klimt.
Pode-se reclamar que o filme não é uma daquelas biografias nítidas e historicamente válidas tão comuns no cinema, no entanto, isso não torna uma obra de arte menor ou maior. O objetivo de Ruiz nesse filme não é relatar a vida de Klimt para que todos possam “ver como foi”. Ruiz quer que seu filme, muito mais do que um documento, seja uma obra de arte, e uma obra de arte à altura de Klimt, seguindo seu modelo artístico. O filme procura um caminho poético, simbólico, em que o nu, o dourado, o decorativismo, e a morte estejam tão presentes quanto na obra de Klimt. Ainda acho que o filme se segura um pouco. Poderia forçar mais os efeitos para se tornar ainda mais semelhante à obra de Klimt. Faltou, por exemplo, uma maior distinção entre os rostos e as vestimentas, seguindo a arte de Klimt, de forma que os rostos fossem mostrados com grande realismo, e as roupas com um tratamento plástico, com dourado e prateado.
(I)
(II)
(III)
O estilo de Ruiz, muitas vezes lento, pode provocar uma aversão no espectador. Mas não se deixe enganar, Klimt é um grande filme, feito por um grande artista, um cineasta que pensa arte, que sabe o que faz, e que procura inovar. Talvez, pelo menos nesse filme, ele não tenha inovado tanto quanto o próprio Klimt, mas o caminho para unir Cinema e Pintura é esse: representar figuras e cenário imitando a obra do artista cuja vida serve de trama para o filme.
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livro:
RUIZ, Raúl. Poetics of Cinema. Paris: Dis Voir, 2005.
filme:
Klimt, 2007. (dir: Raoul Ruiz)
imagens:
(I) Judith I, 1901. (Klimt)
(II) Beethoven Frieze, 1902. (Klimt)
(III) A árvore da vida, 1909. (Klimt)
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*Esse texto foi publicado originalmente na terceira edição do jornal "A Margem", com o título: "Klimt: a pintura no cinema".
Meu interesse pela pintura vem de quase tão cedo quanto o interesse pelo cinema, e sempre gostei de Gustav Klimt, pintor austríaco que, em uma época de esplendor e decadência em Viena, fez uma arte que rompia com a academia, mas que seguia tanto o esplendor quanto a decadência, principalmente através de suas alegorias, de sua pintura simbolista.
Dois interesses raramente se unem tão bem em uma obra só quanto no filme Klimt, de Ruiz. Interpretado por John Malkovich, Klimt parece real na tela, mas, ao mesmo tempo, pela ilusão decorativista que Ruiz pinta no filme, o artista parece também uma personagem inexistente, uma figura não-real, tão sonhada quanto as personagens de seus quadros. A vida de Klimt é cheia de lacunas, e o filme parece seguir esse “defeito” histórico, relatando de forma um tanto fragmentada a vida do pintor. Seus casos com suas modelos, os filhos que ele não chegou a conhecer, o amor estranho por Emilie Flöge, tudo aparece no filme, mas tudo isso importa menos do que a arte.
A pintura é o foco do filme, que, através da vida do artista, se revela aos poucos. Mudando de estilo tanto quanto Klimt mudou, o filme parece seguir o conceito do artista, em certos momentos se mostrando realista, em outros alterando as figuras humanas com ângulos não-convencionais e deformações da imagem, e ainda colorindo o cenário da forma decorativa comum às pinturas de Klimt.
Pode-se reclamar que o filme não é uma daquelas biografias nítidas e historicamente válidas tão comuns no cinema, no entanto, isso não torna uma obra de arte menor ou maior. O objetivo de Ruiz nesse filme não é relatar a vida de Klimt para que todos possam “ver como foi”. Ruiz quer que seu filme, muito mais do que um documento, seja uma obra de arte, e uma obra de arte à altura de Klimt, seguindo seu modelo artístico. O filme procura um caminho poético, simbólico, em que o nu, o dourado, o decorativismo, e a morte estejam tão presentes quanto na obra de Klimt. Ainda acho que o filme se segura um pouco. Poderia forçar mais os efeitos para se tornar ainda mais semelhante à obra de Klimt. Faltou, por exemplo, uma maior distinção entre os rostos e as vestimentas, seguindo a arte de Klimt, de forma que os rostos fossem mostrados com grande realismo, e as roupas com um tratamento plástico, com dourado e prateado.
(I)
(II)
(III)
O estilo de Ruiz, muitas vezes lento, pode provocar uma aversão no espectador. Mas não se deixe enganar, Klimt é um grande filme, feito por um grande artista, um cineasta que pensa arte, que sabe o que faz, e que procura inovar. Talvez, pelo menos nesse filme, ele não tenha inovado tanto quanto o próprio Klimt, mas o caminho para unir Cinema e Pintura é esse: representar figuras e cenário imitando a obra do artista cuja vida serve de trama para o filme.
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livro:
RUIZ, Raúl. Poetics of Cinema. Paris: Dis Voir, 2005.
filme:
Klimt, 2007. (dir: Raoul Ruiz)
imagens:
(I) Judith I, 1901. (Klimt)
(II) Beethoven Frieze, 1902. (Klimt)
(III) A árvore da vida, 1909. (Klimt)
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*Esse texto foi publicado originalmente na terceira edição do jornal "A Margem", com o título: "Klimt: a pintura no cinema".
2 comentários:
Não conhecia esse filme, mas vi outros do diretor, sendo o melhor o "Crônica da Inocência", com a maravilhosa Isabelle Huppert e uma trama interessante, com uma visão original do mundo infantil. Vou procurar!
Brilhante artigo e grande blog. Procurarei conhecer melhor a ambos, ao filme em questão e ao blog.
Parabéns.
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