Jimmy Corrigan




Jimmy Corrigan - the smartest kid on earth (de Chris Ware) é um gibi atípico. Não por ser adulto e filosoficamente profundo, mas por beirar o surrealismo. Fora da pintura e do cinema (no qual ocorre menos freqüentemente), o surrealismo é pouco visto em outras artes. Não se pode dizer que Jimmy Corrigan seja realmente surrealista, mas tem traços bastante claros desse tipo de arte. Não é do surrealismo que vou falar, no entanto.

Esse gibi adulto (não por ser pornográfico, mas por ser tematicamente e estruturalmente apropriado apenas para adultos), possui alguns dos mais interessantes recursos semióticos típicos das HQs. Além dos mais comuns, como deixar colorido apenas a personagem principal enquanto os "figurantes" ficam com uma cor só, a repetição de imagens para denotar passagem de tempo, e as onomatopéias que aparecem como palavras, entre outros, há recursos um tanto inusitados. Um deles é a inversão do horizonte de leitura para ilustrar o flashback. Quando se trata da infância de Jimmy, é necessário virar o gibi em 90 graus, de forma que o eixo vertical se torne o horizontal, e se possa ler os acontecimentos do passado da personagem.
O mais interessante desse recurso, no entanto, é a passagem de volta do passado para o presente.



A árvore ao fundo, que está horizontalmente reproduzida na primeira imagem, aparece em destaque na segunda, e, na terceira, ela já é vertical, e deixa de ser uma árvore para se transformar em um galho, onde pousa um passarinho, até que, na quinta imagem, volta-se a casa do início, e vemos o galho ao mesmo tempo que a árvore lá atrás, de onde ele surgiu.



O quadro mais importante dessa mudança é o mais simples, o do galho sozinho, com fundo bege, pois nele há árvore e galho ao mesmo tempo, há passado e presente, há uma visão ao mesmo tempo horizontal e vertical.

Pode-se argumentar que esse recurso é copiado do cinema, que isso não passa de mudança de ângulo e sobreposição de imagens. Mas, veja bem, não há sobreposição, e não há uma mudança paulatina de ângulo, tudo ocorre de uma imagem para a outra, o que torna essa linguagem única.
O cinema e as HQs realmente se aproximam, assim como as HQs se aproximam da literatura. Mas não há um espelhamento entre essas artes, há, no máximo, uma semelhança. Dos que conheço, o filme que mais se parece com um gibi é La Jetée (Chris Marker, 1962), que deu origem a Os Doze Macacos (Terry Gilliam, 1995).


(Originalmente ele é narrado em francês, mas só encontrei o filme inteiro narrado em inglês)

Esse filme se aproxima mais das HQs por ser composto apenas de imagens paradas, mas se distancia ainda pelo uso do som e, principalmente, pelas aproximações e distanciamentos da câmera em relação ao objeto filmado.
Não há dúvidas de que as HQs possuem sua própria linguagem e podem se estabelecer como uma arte, pois são, realmente, arte.

Um comentário:

manepipoca disse...

Um dos melhores quadrinhos que já li, e a melhor edição (quadrinhos da cia.)!

muito boa observação, não tinha notado esses detalhes, e esse graphic novel é repleto de detalhes, desde a capa, contra capa até entre os quadros do miolo.