Eu, robô




Pela terceira vez falo de O Mágico de Oz. Bem, aqui, nem tanto, mas nessas duas postagens anteriores, sim: post 1, post 2. Nessa segunda postagem sobre O Mágico de Oz, contei as histórias individuais do Espantalho, do Homem-de-Lata, e do Leão Covarde. Aqui, me detenho no Homem-de-Lata, que, para mim, é o mais interessante dos três. O Homem-de-Lata não é um robô, ele é um ciborgue, mas um ciborgue diferente. Ele começa como homem, homem comum, igual a todos os outros, e, aos poucos, vai tendo partes suas substituídas por partes de metal. Isso constitui, pelo que sei, a natureza do ciborgue: um ser humano com partes cibernéticas, mecânicas, ou sei lá o quê; o que é diferente de um robô, que é, desde sempre, um ser mecânico, artificial. Vale lembrar que ainda existe o andróide, que, como o robô, é desde sempre artificial, mas esse, diferentemente do robô, possui características humanas, como: consciência, aspectos físicos, e outros (um andróide é, aparentemente, igual a um ser humano).
Sempre gostei de robôs, acho que desde que tive um robô arthur (um dos meus brinquedos preferidos na infância).


(Robô Arthur)

Uma comparação inevitável para mim é entre o Homem-de-Lata e O Homem Bicentenário (The Bicentennial Man, 1976). No romance, de Isaac Asimov (e também no filme estrelado por Robin Williams), um robô que devia ser um servo começa a demonstrar criatividade, emoções e consciência. Incentivado pela família, ele começa a desenvolver esses dotes, e dá início a uma busca por se tornar humano. Aos poucos, ele vai substituindo suas partes robóticas por partes orgânicas, até se tornar completamente humano, e morrer.


(O Homem Bicentenário em The Bicentennial Man, 1999)

A transformação do Homem Bicentenário é exatamente oposta à do Homem-de-Lata, mas ambos procuram a mesma coisa: tornar-se mais humano. O Homem Bicentenário quer ser aceito como humano, e o Homem-de-Lata quer ter um coração, quer sentir, quer ter sentimentos. O estranho disso é que, originalmente, o Homem-de-Lata é um ser humano, ele tem sentimentos, mas deixa de ter (ou acha que deixa), enquanto o Homem Bicentenário não é humano, mas desenvolve sentimentos, aos poucos, e por ter esses sentimentos, quer se tornar humano.

O Robô by Tom Zé
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A mesma vontade de se tornar humano se repete na música "O Robô", de Toquinho e João Carlos (cantada por Tom Zé), do disco infantil Casa de Brinquedos. Esse disco foi outro companheiro de infância, e provavelmente também responsável pelo meu gosto por robôs. A letra repete os elementos já aqui discutidos: o robô que quer ser humano, que não consegue ter emoções, que não tem coração. A solução desse robô é brincar com as crianças; penso, por elas conseguirem, em sua imaginação, dar vida, uma vida humana, àquele robô. A música em si tem vários aspectos interessantes: os sons são meio repetidos, como se fossem mecânicos, no começo, principalmente, mas também nos vocais por trás do canto das crianças. A própria voz do robô também tem "tiques" de robô, algo que torna muito interessante a intersecção sêmica quando o robô diz "defeito" com um defeito na voz, uma repetição do "to" final.


O Robô
(TOQUINHO E JOÃO CARLOS)

Quanta coisa ele conhece
Sabe a tudo responder
E o que tanto o entristece
É ser humano ele não ser.

Com suas veias de metal
Raciocina e sabe andar
Mas o que lhe faz tão mal
É não sorrir e nem chorar

Sou Robô e a vida é dura
Quando se é feito de lata
Sou sem jogo de cintura
E a minha voz é muito chata

Vou ter sempre algum defeito
Já perdi a esperança
Pelo Homem eu fui feito
A sua imagem e semelhança

Nunca tem nenhuma dúvida
Incansável e seguro
Por tudo isso ele é considerado
O Homem do Futuro

Ser o Homem do futuro
Não me anima muito não
Todos saberão de tudo
Mas como eu sem coração

Os adultos sempre sérios
Sabem só me programar
Se eles não brincam com ele
Com criança eu vou brincar

Claro que os robôs aqui citados não esgotam, de forma alguma, os mais variados robôs e similares na arte. O interessante é que eles sempre têm alguma relação com o ser humano, quase sempre um "sentimento" de veneração, como se nós, para eles, fôssemos deuses (o que é bastante óbvio, já que eles são criação humana); como dizem os versos de Toquinho: "Pelo homem eu fui feito/A sua imagem e semelhança".

Filmes sobre pintores: Sede de viver




Sede de Viver
(Lust for life, 1956, dirigido por Vincente Minnelli) é um dos filmes que adaptam a vida de Vincent Van Gogh para o cinema (sobre os outros falo um dia, hoje fico só com ele). É uma adaptação de segunda ordem, pois é originado de um romance que trata da vida de Van Gogh: Lust for Life (de Irving Stone). Trata-se de um filme típico dos anos 1950, talvez já com traços do cinema dos anos 1960. As atuações, os diálogos, a direção, até a montagem, cheia de sobreposições nos cortes, todos esses aspectos são notavelmente um reflexo do cinema da época. O filme ganha, realmente, no tratamento dos cenários, que sempre procuram refletir os ambientes pintados por Van Gogh, embora sem espelhar a plasticidade do pintor, mas sim realizando uma reprodução realista dos temas escolhidos por Van Gogh.


(Imagem do filme)


(Os comedores de batatas, 1885)

Quando aparecem os comedores de batatas, no filme, falta à imagem a escuridão e a sujeira tão característica do quadro, bem como a escuridão da fraca iluminação, que deforma os rostos com suas sombras fortes e alto contraste. A aproximação que importa ao filme, no entanto, não é técnica; ele prefere aproximar o conteúdo pretendido por Van Gogh, que era fazer uma exaltação do trabalho manual, junto ao alimento, pago com esse trabalho. A imagem adquire sentido social, dentro do contexto do filme, particularmente dessa época da vida do artista, na Holanda.


(Imagem do filme)


(A ponte em Langlois com lavadeiras, 1888)

Aqui, vemos a ponte de Langlois, que Van Gogh pintou várias vezes. Faltam, da mesma forma que na imagem anterior, as características básicas do quadro: o contraste entre o amarelo e o azul, a água com um azul forte que ajuda no movimento das lavadeiras, os tons fortes e vivos da pintura. O que vemos no cenário do filme é apenas a reprodução realista do objeto pintado por Van Gogh, não vemos sua visão do objeto, algo que fica mais concreto nos diálogos, nas falas da personagem Vincent, no filme, talvez da mesma forma que sua visão de mundo fica mais clara nas cartas que o artista escreveu.


(Imagem do filme)


(O café de noite, 1888)

Vemos, aqui, com grande clareza, o cuidado imenso da direção de arte do filme em reproduzir perfeitamente o quadro de Van Gogh. Mais uma vez temos o reflexo realista da pintura do artista, como uma recriação de uma recriação. Van Gogh recria o ambiente original, real, em seu quadro, e o diretor de arte recria o quadro em ambiente real, como uma adaptação de uma adaptação do mundo real. Algo que se assemelha à própria condição do filme, uma adaptação de um romance que é uma adaptação de uma vida real.


(Imagem do filme)


(O quarto de van Gogh em Arles, 1889)

Na imagem do quarto de Van Gogh, vemos a mesma falta das imagens anteriores: as cores fortes e contrastantes, a perspectiva alterada, e a pincelada grossa e crua. Talvez agora se possa perceber que o filme não pretende mostrar o mundo como visto pelo artista, mas mostrar como o artista transformava o mundo que via. Confrontando essas imagens realistas, que reproduzem os temas de forma comum, aparecem imagens dos quadros de Van Gogh, como se o filme procurasse mostrar, realmente, o quanto o mundo real é diferente do mundo pintado pelo artista, do mundo como visto por Vincent. A sensação de tranqüilidade, de paz, de harmonia, no entanto, pode ser vista mesmo na reprodução realista do filme, talvez pela ligação que nós já fazemos automaticamente com o quadro.


(Imagem do filme)


(Campo de trigo com corvos, 1890)

Mais uma vez vemos uma composição quase perfeita, uma reprodução dentro do mundo real do mundo de Van Gogh. E podemos perceber, com mais clareza, como o artista alterava o mundo por causa de sua percepção, por causa de seus problemas internos. O céu, no mundo real (no filme), é claro, alegre, até. O campo de trigo é simétrico, bem alinhado, e calmo. No quadro, o céu é claro por trás, mas manchas escuras tomam a imagem, como uma escuridão que toma conta da luz; o campo de trigo é revolto, parece estar em convulsão; os caminhos são tortos, confusos. Os corvos aparecem do nada, negros, roubando a beleza da imagem. Era realmente o último quadro de Van Gogh, um dos mais belos.