O passado do Espantalho, do Homem-de-Lata e do Leão Covarde




Já falei aqui sobre O Mágico de Oz. Como falei pouco sobre as diferenças entre romance e filme, vou tratar de pelo menos uma agora: as histórias individuais do trio. As histórias do Espantalho, do Homem-de-Lata, e do Leão Covarde são mínimas no filme de 1939; na verdade, elas não estão realmente lá, existindo apenas um embrião de história, que serve como desculpa para cada um deles procurar algo que falta. Só para lembrar: o Espantalho quer um cérebro (metáfora para inteligência), o Homem-de-Lata quer um coração (metáfora para sentimento), e o Leão Covarde quer coragem (metáfora para... bem, leia o post anterior).

Existem várias outras versões de O Mágico de Oz, como a versão de Sidney Lumet, de 1978, com Diana Ross como Dorothy e Michael Jackson como o Espantalho (isso mesmo, não estou mentindo, isso existe, olhe aqui.). Em uma delas, a mini-série Tinman (de 2007), as histórias de cada um são transformadas, permanecem tão interessantes quanto as do livro, mas são bastante diferentes, acompanhando o esquema da mini-série, que é realmente uma releitura adulta para o clássico O Mágico de Oz (uma versão sem músicas, ao contrário do filme de 1939 e de outras versões).


Como as histórias individuais foram excluídas do filme de 1939 (a versão mais conhecida), vou recontar aqui rapidamente cada uma, tal qual elas figuram no romance, para que o leitor se situe melhor.


O Espantalho foi criado por dois Munchkins, que logo o colocaram preso em um pau para espantar os corvos. Ele se sente só, mas orgulhoso de ser tão útil, pois espanta os corvos. Um corvo, no entanto, pousa no ombro dele e diz que não foi enganado, que percebe que ele não é um homem. Os corvos começam a comer todo o milho, e ele fica triste, achando que não é um homem assim como os outros. Um corvo então sugere que se ele tivesse um cérebro, ele seria um homem igual aos outros.

O Homem-de-Lata era um lenhador, um Munchkin como todos os outros. Ele se apaixona por uma Munchkin, que promete se casar com ele assim que ele tiver dinheiro para comprar uma casa para eles dois. A garota vivia com uma velha que usava ela para fazer os serviços da casa, e não queria que ela se casasse. A velha vai até a Bruxa Má do Leste, e promete duas ovelhas e uma vaca se ela impedir o casamento. A bruxa coloca um encanto no machado do lenhador, e quando ele vai cortar uma árvore, o machado decepa uma de suas pernas. Ele vai até um ferreiro, e o ferreiro faz uma perna de lata para ele. O lenhador continua tentando cortar árvores, pois ele precisa do dinheiro para comprar a casa. Cada vez que ele tenta, o machado corta um pedaço dele e ele precisa substituir por uma parte de lata. Quando ele perde o corpo, que é substituído por um corpo de lata, ele perde também o coração, e com ele o amor pela garota. Ele precisa então de um coração para voltar a amá-la.

O Leão Covarde não tem exatamente uma história. Ele é simplesmente um leão covarde que precisa de coragem para se tornar o rei da selva.

Essas histórias não funcionam apenas como sub-plots, não são apenas histórias paralelas, elas têm, realmente, um motivo na narrativa, que seria, principalmente, determinar a personalidade de cada um de acordo com suas necessidades, de forma que a busca de cada um fica justificada no próprio bojo da narrativa. Essas histórias também funcionam para fazer um paralelo com a criação de personagens na literatura, em particular em relação ao Espantalho e ao Homem-de-Lata.

O Espantalho é criado do nada, com um único propósito: espantar os corvos do campo de trigo. Mas a personagem se desenvolve, cria vida, evolui e se transforma em uma das personagens principais, não ficando apenas no campo da figuração.

O Homem-de-Lata surge não do nada, como o Espantalho, mas de um ser humano, como uma personagem que é baseada em uma pessoa de verdade. E assim como a personagem tirada da vida, ela cresce, evolui e foge da vida mortal, e se torna personagem pura, distante (quase sem laços) do ser humano inicial.

Quanto ao Leão Covarde, acredito que ele serve como alegoria das alegorias: a transformação de animais em personagens humanizadas. Claro que são muito mais interessantes o Espantalho e o Homem-de-Lata; como já vimos no texto anterior, o Leão é sempre diferente, está sempre fora dos esquemas criados pelos outros dois, ele serve mais como exceção para comprovar a regra. É interessante perceber como inclusive na primeira capa do livro, da primeira edição, o Leão já aparece deslocado, não só à parte, mas desenhado de maneira diferente, completamente estilizado, ali no topo, no nome OZ, longe dos outros.



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