Os Mutantes e 2001




No segundo disco dOs Mutantes, lançado em 1969, há uma música chamada "Dois mil e um". Acho extremamente óbvio que se trata de uma referência ao filme 2001: uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick; não só pela data de lançamento do filme, 1968, e pelo título, mas também pela letra da canção e, principalmente, pelos sons que passam pela música aos dois minutos de duração.

Dois Mil e Um by Os Mutantes
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O título da música e o ano em que foi composta já permitem que se procure uma relação. O "Dois mil e um" da música faz referência direta ao "2001" do filme. O filme, tendo sido lançado em 1968, causou grande impacto no mundo todo, e com certeza foi utilizado como inspiração para a composição da música, lançada em álbum de 1969.

Dois Mil e Um
(Os Mutantes)


Astronauta libertado
Minha vida me ultrapassa
Em qualquer rota que eu faça
Dei um grito no escuro
Sou parceiro do futuro
Na reluzente galáxia

Eu quase posso apalpar
A minha vida que grita
Emprenha e se reproduz
Na velocidade da luz
A cor do céu me compõe
O mar azul me dissolve
A equação me propõe
Computador me resolve

Amei a velocidade
Casei com sete planetas
Por filho, cor e espaço
Não me tenho nem me faço
A rota do ano-luz
Calculo dentro do passo
Minha dor é cicatriz
Minha morte não me quis

Nos braços de dois mil anos
Eu nasci sem ter idade
Sou casado, sou solteiro
Sou baiano e estrangeiro
Meu sangue é de gasolina
Correndo não tenho mágoa
Meu peito é de sal de fruta
Fervendo no copo d'água

O que interessa realmente, que pode escapar ao ouvinte/espectador desatento, é como a letra remete o tempo inteiro aos temas do filme.
Vejamos, seguindo conselho de François Rastier [in: GREIMAS, A. J. (ed.). Ensaios de semiótica poética. São Paulo: Cultrix, 1976.], alguns sememas da letra (aqui tratada como puro texto verbal, não-associada à música) que podem nos transpor para o filme:

astronauta = bastante óbvio para quem viu o filme;
futuro = 2001, no filme, é futuro;
vida se reproduz = um dos temas do filme é a reprodução, principalmente de forma metafórica na última parte do filme, em que a nave passa por um túnel e chega a um lugar desconhecido onde ocorre uma espécie de divisão, que dá origem a um novo ser, com aspecto de feto;
computador = HAL9000;
cicatriz = forma uma ligação indireta com o filme 2001, que, como "odisséia", possui um Ulisses que viaja e volta para casa completamente mudado (e que, na Odisséia, é reconhecido através da cicatriz);
minha morte não me quis = a imortalidade através da transformação em outro ser, sob uma aparente morte.

Com essas pequenas noções já se pode reler a letra fazendo outras relações com o filme e com os temas que o filme aborda.
A questão mais interessante, no entanto, é musical. Entre dois minutos e dois minutos e meio, aproximadamente, a música se torna bastante parecida com a trilha do filme na cena da viagem, em que o astronauta passa por um túnel no espaço até se ver dentro de um quarto de hotel. Compare a trilha de 2001, de György Ligeti, com a parte citada da música dOs Mutantes.

2001 soundtrack by György Ligeti
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Os Mutantes tinham nítidas influências de bandas estrangeiras, principalmente inglesas, como Beatles e Rolling Stones, mas se deixavam influenciar também por outros campos, e refletiam isso em suas músicas, como é demonstrado aqui, em relação ao cinema.

4 comentários:

Germano Brito disse...

Essa música é uma composição da Rita com Tom Zé, que é formado em música pela UFBA.
Vem dai a explicação da conotação acadêmica contextual.

Luizerah disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luizerah disse...

A letra desta canção foi escrita pelo Tom Zé (Ainda com o nome de Astronauta Libertado) que, primeiramente, à passou para que o Gilberto Gil fizesse a música (que pode ser ouvida, em sua primeira versão, no disco Cérebro Eletrônico de 1969), porém o mesmo Gil não ficou contente com a pegada futurista dada por ele, e sem contar para o Tom Zé, pediu que Rita Lee a ouvisse e desse a sua contribuição, a partir daí Rita renomeou-a com o nome 2001 (referencia óbvia ao filme de Kubrick), e deu uma versão de música sertaneja de raiz para contrapor com a modernidade do assunto tratado na letra. Outra curiosidade sobre esta música é a participação da dupla sertaneja Zé do Rancho e Mariazinha (Pai e Mãe de Chitãozinho e Xororó) na gravação desta última versão para o disco Mutantes de 1969.

Unknown disse...

Amigo, a Rita diz em sua biografia que ela assinou a musica pelo fato de ela ter “resgatado" pois essa letra foi jogada no lixo pelo Tom, ela recuperou e acabou ganhando a música e depois eles assinaram em autoria conjunta.