Em O Mágico de Oz (The Wonderful Wizard of Oz), de L. Frank Baum, há três personagens que acompanham a garota Dorothy através do mundo de Oz, todo mundo os conhece: o Espantalho (the Scarecrow), o Homem-de-Lata (eu sempre pensei que o nome dele em inglês fosse “the Tinman”, mas, como ele é um lenhador, o nome dele é the Tin Woodman), e o Leão Covarde (the Cowardly Lyon). Desde já, há algo estranho nessa tríade. O Espantalho e o Homem-de-Lata são seres não vivos, enquanto o Leão Covarde é um animal, um ser vivo. Quem conhece a história sabe que cada um deles procura algo que não tem, e que eles acompanham Dorothy na busca pelo Mágico que pode lhes dar o que eles querem. Dorothy quer voltar para o Kansas, de onde foi arrancada por um furacão. Os três amigos de Dorothy, no entanto, procuram coisas que não têm: o Espantalho quer um cérebro, o Homem-de-Lata quer um coração, e o Leão quer... coragem? Há algo estranho aqui, enquanto os outros dois querem órgãos, coisas concretas, o Leão quer algo abstrato.
Deixando de lado as teorias sobre a crítica à (e representação da) política dos EUA na época em que o livro foi escrito (1900), passamos para uma interpretação mais universal. É fácil perceber (desde o início, mas, isso fica mais claro durante a leitura) como o que os dois personagens querem na verdade não é o órgão em si, mas algo abstrato, que é metaforizado através desses objetos concretos. O Espantalho quer inteligência (cérebro) e o Homem-de-Lata quer sentimento (coração). Durante todo o livro isso fica explícito, e, mais ainda, fica claro que eles já têm o que querem, inclusive o Leão, que quer coragem.
Na versão mais famosa dessa história, o filme de 1939, O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, dirigido por Victor Fleming e com Judy Garland no papel de Dorothy), não fica tão claro quanto no livro que eles já possuem aquilo que procuram, algo que é reafirmado várias vezes, implicitamente, na obra de L. Frank Baum. Sempre é o Espantalho que pensa nas formas de sair dos problemas que eles encontram pelo caminho; o Homem-de-Lata sempre se comove com as criaturas prejudicadas por isso ou por aquilo; e o Leão Covarde é quem sempre enfrenta os inimigos, embora afirme o tempo inteiro que sente medo ao fazer isso. O filme poderia ter explorado melhor essa característica do livro.
Voltando para as metáforas; dizíamos que o Espantalho procura um cérebro, mas quer, na verdade, inteligência, que o Homem-de-Lata procura um coração, mas quer, na verdade, sentimento, e que o Leão Covarde quer coragem, mas quer, na verdade... Na verdade, o que o Leão quer já é abstrato, o que nos faz pensar sobre a contraparte concreta dessa coisa abstrata, a coragem. Parece que, comparando com os outros, o que o Leão procura é: "colhões", cojones, balls. Cojones seria a contraparte concreta do seu querer abstrato: a coragem. Não seria adequado, claro, que um Leão ficasse por aí pelo mundo de Oz dizendo a menininhas do interior norte-americano que quer um par de bolas dentro de um saco, para pendurar no meio das pernas. Talvez por isso o querer do Leão já apareça em sua versão abstrata.
De qualquer maneira, são três coisas que as personagens querem ter: inteligência (sabedoria, conhecimento), sentimento (emoções, compaixão), e coragem (bravura, impavidez). Não posso deixar de lembrar, pensando nessa tríade, nos três princípios básicos do Samurai, tal qual eles aparecem no Hagakure, o livro do Samurai (1716, aproximadamente): inteligência, humanidade e coragem. Vale citar dois trechos do livro de Yamamoto Tsimetomo.
"The wisdom and courage that come from compassion are real wisdom and courage. When one punishes or strives with the heart of compassion, what he does will be limitless in strength and correctness."
"A sabedoria e a coragem que vêm da compaixão são verdadeira sabedoria e coragem. Quando alguém pune ou mata com um coração cheio de compaixão, o que ele faz não terá limites em força e certidão."
"being a Samurai (...), its basis lies first in seriously devoting one's body and soul to his master. (...) to do beyond this, it would be to fit oneself inwardly with intelligence, humanity and courage."
"ser um Samurai (...), sua base jaz primeiro em devotar seriamente o corpo e a alma para seu mestre. (...) ir além disso seria se ajustar internamente com a inteligência, o humanismo, e a coragem."
Se pensarmos que aqueles três personagens são exteriorizações de vontades e necessidades de Dorothy, podemos concluir, daí, que ela está no caminho certo para se tornar um Samurai.
Eu posso estar brincando, mas é tudo verdade...
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figuras:
Capa da primeira edição do livro The Wonderful Wizard of Oz;
Imagem da versão para o cinema de 1939, The Wizard of Oz.
4 comentários:
Você pode até estar brincando, mas o texto sobre Dorothy San me deu vontade de ver de novo o filme. Engraçado que durante muito tempo eu morria de medo de " O Mágico de Oz", que era como um filme de terror pra mim, acredita?
E quanto à reunião Alana/Anacã/ Astier (que tantos AAA): vamos marcar!
interessante viagem, gostei!
O interessante sobre isso que também é a tríade da alma. Movida pelo apetite (sentimento) relacionadas aos trabalhadores comuns, braçais como um lenhador; pela coragem, relacionada aos guardiões, guerreiros, onde a honra de defender o seu ideal é maior que sua vida; e a alma racional, de pessoa feitas para liderar, comandar, ser guia, basicamente um governante. No meu ver Dorothy é uma expressão de que todas vivem juntas dentro de um mesmo ser.
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