"Construção", de Chico Buarque (do disco Construção), é uma música que imita, em sua forma, uma construção. Uma construção pode ser tanto um prédio pronto quanto um sendo feito, mas é esse segundo sentido que mais se aproxima da palavra como ela é usada no dia-a-dia. Uma construção é algo que está sendo feito, algo que já apresenta uma forma, uma aparência de sua forma final, mas que ainda não foi terminado.
Usa-se também o termo "construção", em ligüística, para a forma como as frases são organizadas no texto, ou como as palavras são organizadas nas frases (construção textual). Esses dois sentidos ("prédio sendo construído" e "organização de palavras em frases") estão contidos na música de Chico Buarque.
CONSTRUÇÃO
"Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague"
"Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague"
Construção by Chico Buarque |
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O texto parece se construir aos poucos. A primeira estrofe está bem estruturada, e as palavras finais de cada verso parecem se encaixar perfeitamente, de forma um tanto literal, quase sem metáforas, ou com um nível metafórico bastante fácil de ser entendido.
Já na segunda estrofe as metáforas dão um salto em complexidade. Enquanto na primeira lemos: "E atravessou a rua com seu passo tímido", na segunda lemos: "E atravessou a rua com seu passo bêbado", em que se une uma metonímia a uma metáfora.
Outro exemplo é:
na primeira: "Seus olhos embotados de cimento e lágrima";
e na segunda: "Seus olhos embotados de cimento e tráfego".
Basta ler para perceber como a metáfora alcança nova complexidade de uma estrofe para outra, inclusive pela própria redistribuição de substantivos e adjetivos.
Na terceira estrofe as metáforas beiram o absurdo: "Ergueu no patamar quatro paredes flácidas". E, além disso, é uma estrofe menor, como se estivesse incompleta, faltando versos.
A letra se constrói, assim, aos poucos, como se a base estivesse pronta, mas as outras partes estivessem se ajeitando, como se as palavras ainda não estivessem no lugar certo. Mas esse lugar errado se revela muito mais vário, mas cheio de significados, como se a distribuição aleatória dos elementos construísse algo mais plural do que uma construção lógica e de acordo com o esperado.
A música também acompanha esse ritmo. Instrumentos vão aparecendo de acordo com o caminhar da canção, e vão cada vez se tornando mais anárquicos. Até que, no final, surge, de dentro de "Construção", outra música do mesmo disco: "Deus lhe pague".
E a letra de "Deus lhe pague" é editada, aparecem somente pedaços dela para completar "Construção", que, na verdade, não tem fim, pois se torna outra música, tanto em som quanto em letra.
"Construção" se revela, então, uma construção real, textual e física (sonora), de modo tal que parece haver uma confluência perfeita entre forma e conteúdo. A isomorfia (em teoria literária: semelhança de forma e sentido) é uma das características da grande arte.
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música (link para baixar no 4shared):
Construção (Chico Buarque)
do álbum "Construção" (link nas americanas).
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