Aristóteles + Pollock




Já falei aqui (não nesses termos) em como Horácio, em sua Arte Poética, inventou a pintura surrealista sem querer, e apenas teoricamente, já que ele nunca pintou (muito menos algo surrealista, coisa inexistente na época).

Da mesma forma que Horácio "inventou" a pintura surrealista, me parece que Aristóteles inventou a pintura abstrata, também sem querer, e também apenas teoricamente.

Diz Aristóteles, na Poética (p.75):
"Portanto, o mito é o princípio e como que a alma da tragédia; só depois vêm os caracteres. Algo semelhante se verifica na pintura: se alguém aplicasse confusamente as mais belas cores, a sua obra não nos comprazeria tanto, como se apenas houvesse esboçado uma figura em branco."

O que os dois (Horácio e Aristóteles) têm em comum é o fato de descreverem um tipo de arte (na pintura) que não existia em sua época, assim, "inventado" tal modalidade.
No entanto, Aristóteles, ao contrário de Horácio, toma a pintura "confusa" de forma apenas "menor" do que a figurativa, mas ainda assim um pouco bela (a beleza estaria presente, de qualquer forma, nesse quadro que aplica "confusamente as mais belas cores"), e artística, enquanto Horácio redupia completamente a obra "surrealista":
"Suponhamos que um pintor entendesse de ligar a uma cabeça humana um pescoço de cavalo, ajuntar membros de toda procedência e cobri-los de penas variegadas, de sorte que a figura, de mulher formosa em cima, acabasse num hediondo peixe preto; entrados para ver o quadro, meus amigos, vocês conteriam o riso?"

A noção de arte muda com o tempo, e muda também o que se acha "grande arte" e "pequena arte". Só para efeitos de comparação, reproduzo aqui um desenho meu (nitidamente inferior a qualquer quadro abstrato de grandes pintores, mas que pode ilustrar o que Aristóteles chamaria de "esboço de figura em branco"), e um quadro de Pollock, de uma beleza talvez ininteligível para Aristóteles (mas que pode ilustrar o que ele chamaria de "belas cores confusamente aplicadas").

(I)

(II)

Reconhecer esse quadro como uma obra que aplica "confusamente as mais belas cores" é não entender como as cores não são aplicadas confusamente, mas com plena conciência de composição, combinação dos tons, formatos, tamanhos, ligações dos traços, etc. Na visão de arte que se tinha na época de Aristóteles, no entanto, qualquer obra figurativa, mesmo que falha, superaria essa bela obra não-figurativa.

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referências:
ARISTÓTELES, Poética. Tradução de Eudoro de Sousa. Porto Alegre: Editora Globo, 1966.
HORÁCIO, Arte Poética. In: A poética clássica. Trad. Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1990.

imagens:
(I) sem título, 2006. (Anacã Agra)
(II) Autumn rhythm, 1950. (Jackson Pollock)

Um comentário:

Anônimo disse...

Fala, velho!


Achei esse Blog por acidente (acho) lendo o Sedentário e gostei da proposta e das análises.
Estarei sempre por aqui.

Abraço do amigo

Mr D.